[No texto abaixo, você verá bons conselhos, e também alguns que considero absurdos, e que serão usados como material para um vídeo do canal, que mostrará minha posição diante disso].
IPL - Instituto Politécnico de Lisboa
As Birras das Crianças: o papel do Educador e dos Encarregados de Educação
(Ana Rita Lucas Monteiro - Dezembro 2014)
(pg 16)
"2.3. O que é a Birra? Quando nos deitamos no chão a chorar estamos a fazer birra. (T.B., 4 anos, conversa informal no tapete)
Segundo Cordeiro (2011), uma birra é a expressão de uma diversidade de sentimentos, pelo que, para a entender, há que compreender a sua relação com esses sentimentos, com a índole individual e com as características globais da condição humana, designadamente as etapas do desenvolvimento (p.15).
As birras surgem igualmente em ambos os sexos, com maior ou menor intensidade, sobretudo em crianças com idades compreendidas entre os dezoito e os quarenta e oito meses, com maior incidência entre os dois e os três anos. Coincidem com a altura em que a criança está a adquirir autonomia e a tentar dominar o meio ambiente (Harrington, 2004 citado por Gouveia, 2009). Nestas idades as crianças recorrem à birra porque não possuem, ainda, mecanismos para lidar com a frustração, a sua linguagem verbal é insuficiente, não têm capacidade para perceber o futuro e adiar as suas vontades e têm poucas competências para resolver problemas. Podem, assim, recorrer à birra para chamar a atenção do adulto ou, sobretudo a partir dos três anos, quando já dominam melhor a linguagem falada, como forma de obter o que querem e de manipularem o adulto (Sears, 2006, citado por Gouveia, 2009).
“As manifestações da birra são várias: choro5 , gritos, pontapés, rigidez, extensão dos membros e do tronco. Além disso, a criança pode bater nos outros, bater com a cabeça no chão ou nas paredes, morder-se, atirar-se para o chão, espernear, fugir, atirar com objetos, suster a respiração ou desencadear o vómito” (Gouveia, 2009, p.702), tendo sido resumidas como uma ocorrência emocional breve mas intenso6 , díspar pela sua explosividade, impulsividade e amostras de emoções descontroladas (Cordeiro, 2011; Potegal & Davidson, 2003).
Normalmente, as birras são desencadeadas quando as crianças pretendem a sua autonomia e são incapazes de tomar decisões. Por isso, devemos deixá-las decidir sobre aquilo que querem, de forma a se tornarem mais independentes e a dominarem melhor os seus sentimentos (Brazelton & Sparrow, 2004; Queirós, Goldschmidt, Almeida & Gonçalves, 2003), percebendo que o restante grupo de crianças têm os mesmos direitos. As birras não são motivo de alarme, apesar de serem frustrantes e desagradáveis, uma vez que são formas de expressão das emoções que surgem de um cérebro imaturo (Reinberger, 2008). Estas são, ainda, “normativas e desenvolvimentais”, que tendem a desaparecer ao longo do tempo e desenvolvimento da criança (Burbach, Fox & Nicholson, 2004).
2.4. A Birra e o Desenvolvimento da Criança
Os comportamentos de oposição, ou seja as birras, ocorrem em determinadas etapas do desenvolvimento da criança, sendo comum a sua diminuição com o decorrer do desenvolvimento, quando esta aprende formas mais elaboradas para resistir a ordens das figuras de autoridade, por exemplo (Mireault, Rooney, Kouwenhoven & Hannan, 2008). Este tipo de comportamentos de oposição desempenha um papel fundamental na distinção e afirmação do “Eu” em relação aos outros, estimulando a autonomia (Cordeiro, 2011; Mireault, Rooney, Kouwenhoven & Hannan, 2008; Ramalho, 2006), bem como o desenvolvimento da identidade (Cordeiro, 2011). As birras caracterizam, igualmente, um desenvolvimento psicoafectivo normal, sendo um sinal de crescimento psicológico. Segundo Erikson, neste período da infância em estudo, a criança “emerge de uma dependência quase total em relação à pessoa responsável pela sua educação e começa (…) a andar pelo seu próprio pé” (p.143), ou seja, começa a desenvolver a autonomia. Contudo, este afirma que pode existir um desenvolvimento emocional negativo, pois os adultos que fazem parte da vida das crianças poderão ter dificuldade em aprender a não interferir e apoiar o desejo de liberdade e de autonomia, não permitindo que a mesma adquira independência. Outro aspecto que relaciona as birras com o desenvolvimento da criança é a resiliência. Os estudos sobre a resiliência começaram há trinta anos, quando esse conceito ainda estava relacionado às “condições inatas para resistir e ter imunidade e não se tornar uma vítima” (Grünspun, 2003, citado por Sapienza & Pedromônico, 2005, p.213). Segundo Yunes (2003), que realizou uma rigorosa revisão sobre o termo, os precursores do conceito são palavras como invencibilidade ou invulnerabilidade, termos ainda muito utilizados na literatura para sugerir que algumas crianças são totalmente imunes a qualquer adversidade (Sapienza & Pedromônico, 2005). Atualmente, a resiliência envolve características que são desenvolvidas pelo ser humano, principalmente nas crianças (Grünspun, 2003, citado por Sapienza & Pedromônico, 2005). Isto é, as crianças podem superar as dificuldades (resilientes), porém não são intocáveis (invulneráveis ou invencíveis). A possibilidade de enfrentar fatores de risco e de aproveitar os fatores protetores torna o indivíduo resiliente (Grünspun, 2003, citado por Sapienza & Pedromônico, 2005), uma vez que o resiliente utiliza os recursos positivos que possui para enfrentar as adversidades. A resiliência pode ser considerada um fator de proteção para a adaptação do indivíduo às exigências quotidianas (Sapienza & Pedromônico, 2005).
2.5. Como se deve reagir perante uma birra?
I., para de chorar e levanta-te do chão… olha que a Rita vai ficar triste! (I.M., 3 anos)
Uma vez iniciada a birra, não vale a pena chamar a criança à razão, não se deve castigar a criança por fazer uma birra, nem recompensar a birra. Deve-se atuar logo no início da mesma antes que a criança perca totalmente o controle, desviando a sua atenção, levando-a para outro local, contendo-a em caso de ela bater ou se magoar, ignorando-a nalguns casos ou usando o efeito de surpresa (Needlman, 2005; Potegal & Davidson, 2005; Gavin, 2005;
Healthwise, 2006; Hoecker, 2008 citados por Gouveia, 2009).
Segundo Cordeiro (2007), perante uma birra devemo-nos, “mesmo que seja um exemplar exercício de autodomínio:
Mantermo-nos calmos;
Não responder emocionalmente, nem por palavras nem por gestos, olhares ou rigidez corporal;
Se necessário agarrar a criança, não apenas com objetivos afetivos, mas também para evitar que se magoe, se a crise de disrupção corporal for de grau elevado;
Levar a criança para um local onde possa dar-lhe apoio e conversar sem outras pessoas a comentar, a incomodarem ou a darem palpites sobre o que fazer;
Dizer à criança que não voltará ao local ou às atividades enquanto não se acalmar;
Por vezes ter de esperar algum tempo até a criança se reorganizar;
Explicar calmamente que se está à espera que ela se acalme, se necessário dizer que se vai contar até um determinado número e que espera que até lá tudo esteja resolvido;
Dar-lhe razão naquilo em que ela tiver;
Nunca ceder, por muitas voltas que a situação dê. A criança tem de perceber que a birra, a desorganização e a falta de lucidez e de autocontrolo não resolvem nada nem são armas permitidas.” (pp.247-248)
Segundo Garcia (2007), esta afirma que quando a criança termina a birra devemos voltar a integrá-la na atividade que estamos a realizar, mas sem lhe dar importância. Por exemplo:
A I.M. chega do recreio com uma grande birra e diz que não quer participar na atividade. Comecei a ler a história com todas as crianças sentadas na área da biblioteca e ao longo da leitura, a I. vai-se aproximando sem nunca se sentar junto dos colegas. Quando estou quase a terminar a história, esta acaba por se sentar junto do grupo e participa no questionamento que fiz sobre a leitura da história.
(Observação em JI, abril de 2014)
Neste caso, e noutros já citados, e de acordo com Reynes (2004), as crianças interrompem mais facilmente e rapidamente uma birra quando não lhe damos importância e desviamos a sua atenção para a participação em jogos ou atividades. Caso contrário, se lhe dermos importância e obrigarmos a criança a participar só iremos aumentar a frustração e tensão (Brazelton & Sparrow, 2010).
Segundo Cordeiro (2007), uma boa estratégia para evitar as birras consiste em avisar a criança, com alguma antecedência, o que se vai suceder que, por sua vez, foge à rotina. Outra estratégia é falar com voz carinhosa, pois os “rompantes não são bem recebidos nem as crianças são seres sem sentimentos, nem são “menores” no sentido de lhes interrompermos o pensamento e a liberdade sem mais nem menos” (p.248).
2.6. As birras e os Encarregados de Educação / Pais
Já fiz birra porque não queria vir para a escola. (F.J., 3 anos, conversa informal de tapete)
Já fiz birra porque não queria ir embora com o pai. (L.P., 3 anos, conversa informal de tapete)
Mesmo que corresponda a uma desorientação da criança, a birra é uma forma de chantagem (Cordeiro, 2007). Esta ocorre muitas vezes em locais onde as crianças sentem as “costas quentes” (Cordeiro, 2007, p. 247), locais públicos e com pessoas que lidam no seu dia-a-dia. Nesses casos, não se deve ter medo de dizer “não”, porém não se tem que referir a palavra, “sublinhando sempre que o amor dos pais pelos filhos é incondicional” (Cordeio, 2007, p.247). O essencial é que as crianças percebam que uma das formas de expressar esse amor é educar para o rigor, disciplina e respeito sendo que o “método birra e vitimização” (Cordeiro, 2007, p.247), não mudará as ideias dos pais.
Por sua vez, um dos principais efeitos que as birras provocam na relação entre pais e criança é a tensão. Como o controlo das mesmas nem sempre é conseguido, os pais ficam de tal modo descontrolados e fora de si que não conseguem centrar-se nas técnicas e estratégias mais apropriadas para orientar os comportamentos da criança (Alvarenga, & Piccinini, 2001;
Ramalho, 2006). É inevitável que, algumas vezes, as crianças tentem exceder os limites que lhes foram previamente estabelecidos. No entanto, muitas crianças, ao serem confrontadas com exigências, regras e limites, reagem com birras, agressividade ou choro (WebsterStratton, 2005).
Os dados recolhidos relativamente à predominância das birras dos filhos mostram-nos que grande parte dos inquiridos (catorze em quinze) respondeu que os seus filhos fazem birras, tal como demonstra o gráfico 1. (Gráfico mostra pergunta: O seu Educando faz birra em casa? 14 sim e 1 não.
As birras das crianças consideram-se preocupantes quando ocorrem em mais do que um contexto (Ramalho, 2002; Reinberger, 2008), por isso torna-se essencial ficar atento a todos os sintomas deste comportamento.
Segundo Papalia, Olds e Feldman (2009) os pais recorrem a vários métodos de disciplina para ensinar às crianças o autocontrolo e apresentarem comportamentos desejáveis.
No entanto, disciplina não é sinónimo de punição. Quando perguntei aos encarregados de educação como acalmavam e/ou controlavam a birra, estes responderam-me que utilizam a punição física, o time-out (castigo), retirar brinquedos, ignoravam, falavam com os educandos (explicação), davam-lhe carinho e afeto para os acalmar. No entanto, os métodos mais utilizados eram a punição física, o time-out/castigo e o retirar brinquedos (ver gráfico 2).
Uma das razões que leva os pais a utilizarem a punição, nomeadamente, a física é o facto de não conhecerem ou não saberem utilizar outros métodos de disciplina (Nelms, 2005).
Neste caso, deve-se aconselhar os pais para o facto de, aquando a aplicação da punição física, estão a parar a ação dos seus filhos nesse momento mas, ao mesmo tempo, estão a ensinar-lhes que a agressividade é uma forma de resolução dos problemas (Alvarenga & Piccinini, 2001; Domitrovich & Greenberg, 2010).
Através de um estudo realizado por Regalado, Sareen, Inkelas, Wissow e Halfon (2004) concluiu-se que o método de disciplina mais utilizado é a explicação (90%), seguida do time-out (70%), gritar (67%), retirar um brinquedo (65%) e punição física (26%). Este mesmo estudo verificou que existem vários fatores que influenciam a escolha do método de disciplina: o bem-estar emocional, a idade da criança, a etnia e idade dos encarregados de educação (Regalado, Sareen, Inkelas, Wissow e Halfon, 2004), a personalidade e a qualidade do relacionamento entre pais e filhos (Papalia, Olds & Feldman, 2009).
Conclui-se que na continuidade deste trabalho se desenvolvam ações conjuntas entre a instituição de infância e as famílias. Só assim será possível elucidar os EE/pais a lidar com as birras em casa recorrendo a práticas educativas adequadas, tal como é realizado na instituição de infância.
10 de julho de 2023
Estudos indicam que a prática de repetir atividades e brincadeiras, por exemplo, estimula, ainda, a autonomia, habilidades sociais e a concentração infantil, que serão fundamentais para abrir as portas do processo de aprendizagem no futuro.
Ao longo da primeira infância, período que compreende do nascimento até os seis anos de vida das crianças, diversas práticas atuam como aliados essenciais para o crescimento saudável delas. Uma dessas atividades é a repetição, que contribui diretamente para o desenvolvimento intelectual das crianças e para estimular diversas habilidades, entre elas a autonomia e a concentração infantil...
“A importância da repetição vai além de assistir a um mesmo filme diversas vezes, por exemplo. Essa prática contribui para que as crianças se sintam mais confortáveis com a realização de uma atividade, como arrumar os brinquedos nos locais corretos. Em nossa vivência escolar, nós percebemos que as crianças se desenvolvem muito mais com a realização de atividades que elas reconhecem e se mostram interessadas, graças à repetição, que consolida tais práticas na memória infantil e possibilita novas vivências”, explica Priscila Garcia, coordenadora pedagógica da Upuerê Educação Infantil.
...Esse desenvolvimento emocional é único e acontece no tempo de cada criança, claro, mas é possível a melhoria na rotina diária. Além disso, a repetição é importante para que as crianças encontrem estabilidade – na atividade, nas pessoas que estão com ela, e nela mesma. Um exemplo prático é no momento de contar histórias antes de dormir, que a criança pode pedir sempre pela mesma história. Isso significa que, anteriormente, foi uma experiência positiva, que lhe trouxe afeto, confiança, felicidade, e ela quer vivenciar novamente esse momento”, exemplifica a profissional.
...A partir dessa prática frequente, conseguimos perceber que as crianças se tornam mais independentes, começam a realizar algumas atividades sozinhas, a socializar mais com outras crianças e, claro, a vivenciar novas experiências por se sentirem mais seguras e confortáveis em fazer isso”, finaliza Priscila.
https://bebe.abril.com.br/desenvolvimento-infantil/por-que-as-criancas-gostam-tanto-de-repeticao/
É interessante lembrar que os primeiros anos de vida são o período de maior desenvolvimento cerebral. “De zero a 3 anos, acontece um boom e a criança desenvolve cerca de 80% do cérebro, formando as conexões neurais conforme as experiências que ela tem. E como a formação da memória é a base da aprendizagem – a gente aprende repetindo – a criança fortalece esse processo dessa forma”, explica a neuropsicóloga Luciana Garcia de Lima.
0 Comentários